Dromedários
Eu ontem quis corpo. Eu ontem soube que cometi. Eu cometi um poro que pulsa. Cometi um eu quente. Eu cometi uma inocência que goza. Cometi ser na boca. Cometi o desbragado, o macio, e mãos tensas num lençol. Cometi ter poros. Cometi a mim mesma, eu que delituosamente me derramo nos dias. Que como, sorvo, me refestelo. Cometi amar minha inocência. Cometi amar minha angústia. Minhas lacunas. Meus hiatos. Sem recheá-los de deus. Não quero um deus saponáceo, de me remover sujidades. Quero o Deus belo, lúbrico, que me ame na minha alguma coragem de acessá-lO. Reivindico o Deus capaz de beijar minha voragem e de alar minha pequenez.
Depois de velha dei pra fazer travessuras. Dei
pra desinventar pecados e fazer de conta que hóstia é confete. Deus me olha
de
soslaio, faz que ri e não ri [só para não me dar "liberdades"(ô diacho de
menina
arengueira)]. Mas no fundo aposto que adora. Pois não é que tem gente
excomungada
que se põe a desintristecer Deus? Pai do céu me deixa inventar
um menino sem
pregos nas mãos e cheio de azaléias? Me deixa inventar um deus
que não adoeça de
nós e que me impeça de calar a alegria? Um deus menino
cabelo no vento, com
catavento, coelho e pipa?Sou a apedrejável porque tenho sensações e águas ilícitas e joelhos lassos e largura de risos. E borboletas numa manhã toda invadida de cios.
Eu vejo semi-pessoas, vultos enfileirados e secos, com
silhuetas de pó embalsamado. A solidez e a impáfia de suas tristezas mumificadas, seus ex-seres soldadificados. Só eu
chorei porque eles não têm mais água. São olhos
vazados. Eles vazaram de si mesmos? Seus olhares são abismos craquelados, halos opacos de uma
fundura que se matou.
E meu corpo queria corpo. Eu tive sede e tu eras dique protegendo areia. Foi teu dique que te fez areia? A minha pele queria pele e tu, arcabouço vítreo. Tu pincelas esse verniz que mata? Que te remedia de ser um eu?
E meu crime foi amar ser um eu. Foi amar ter leite e precisar da tua boca. Foi querer tua beleza. Foi não abdicar do leite. E de ter a arrogância de jorrar por entre as gentes. Meu crime é ter esse humano úmido à mostra.
A tua ausência me seca, me rapta para essa urdidura de pó. Para se ser mais belo é preciso se ser mais só? Se a beleza é dueto, são riachos brincando. Queres proteger tua doença para não me amar? Pra não descobrir o leite que às vezes dói? E se o teu corpo desejar corpo? Tu te amputarás de ti mesmo? E se os teus mamilos te acordarem na noite? E se houver filhotes, hálito, saliva? E se, no beijo, ainda houver boca? E se ainda não esquecestes a sede? E se eu ainda te amar? E se eu ainda sofrer?
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