POEMA PARA VIVI
É outono
O chão está coberto de palavras caladas
Perdi folhas e flores, peles e nomes
Dou-me aos ventos que me despem e que me trazem essa nudez nova e paciente
Eu não tinha esse frio, esse medo
Nem esse milagre
Não tinha esse farfalhar quebradiço de ramagens idas doendo em sementes que não sei
Me aninho em bicos de beija-flores nômades e de que outras flores eu serei?
Eu não tinha essa fenda no tronco, essa seiva supurada
Não tinha esses galhos trêmulos, esse ninho arrancado
Nem essa certeza estranha de que a dor me elegeu para uma outra mansidão
Não tinha esse sol intruso e valente lambendo de luz
Esse meu cancro, essa minha fundura
Esse ensaio de flor doce e assustado
Eu não tinha essa paixão nas raízes
Esse amor, essa fúria
Não tinha essa angústia funda feito a felicidade
Eu não tinha e não terei, na minha orfandade de folhas
Esse algo que de tão meu me abandona
Terei apenas essa fraqueza de caules
E um coração pequeno plantado na terra tímida do peito
Nua e úmida para a fome de meu sol
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